Mosteiro de Bande

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Karmel

Scriptorium



DEFINITÓRIO

EXTRAORDINÁRIO

O.C.D.



"Stella Maris" - Haifa 4-14 Outubro 1999


REDITUS AD ORIGINES

"IUXTA FONTEM ELIAE"

P. Jean Sleiman, ocd
Definidor Geral




"Parte daqui, e dirige-te para o oriente" (1 Reis 17,3)

Reflexões orientais acerca da Regra do Carmelo




Fazer a leitura ou a releitura da Regra Primitiva (1) do Carmelo, a partir da perspectiva do Oriente Cristão, supõe que seja necessário abordá-la à luz do seu monaquismo. É também voltar a colocar uma antiga questão histórica que hoje, no entanto, descartam soberanamente os nossos historiadores: a das origens eremíticas orientais do Carmelo.

De facto, ainda que alguns se preocupem em aproximar o Oriente e o Carmelo, numerosos contemporâneos asseguram que os eremitas do Monte Carmelo eram Cruzados, portanto, latinos que não estavam influenciados pelo monaquismo, e que, não obstante, integrarão. Mas, não é a questão histórica que, neste momento, é objecto da minha conferência(2).

Na realidade, impressionam-me as semelhanças, as afinidades e as consonâncias entre a Regra do Carmelo e o monaquismo oriental. Por isso, proponho-me a evidenciar este parentesco espiritual que a Regra revela tanto no seu texto como no seu contexto, na sua forma e no seu conteúdo, na organização da vida dos primeiros carmelitas e no itinerário espiritual que lhes propõe.

A Regra Primitiva e suas ressonâncias orientais

O Prólogo inscreve, de imediato, a Regra do Carmelo na tradição monástica oriental através da sua referência "aos Santos Padres" (Regra, nº2), e também, mediante o estilo e conteúdo de um texto, digamos jurídico, mas em forma de carta de exortação: "Alberto, chamado a ser patriarca da Igreja de Jerusalém pela graça de Deus, a seus queridos filhos em Cristo, Brocardo(3) e outros eremitas que vivem sob a sua obediência junto à fonte de Elias(4), no Monte Carmelo, saúde no Senhor e benção do Espírito Santo" (Regra, nº1).

O Prólogo também situa a Regra num contexto particular: no contexto de uma comunidade já existente de eremitas, cuja dinâmica incumbe directamente o Espírito, numa Igreja local, plural e rica de uma tradição apostólica, patrística e monástica. O Patriarca Alberto regulamenta a sua pertença à Igreja de Jerusalém mediante uma Regra em forma de exortação, destinada a organizar a vida dos eremitas. Quis que fosse "uma fórmula de vida" de acordo com os propósitos dos próprios eremitas (Regra, nº3). Nela, põe em destaque a importância sugestiva do lugar "junto da fonte", já anteriormente conhecida como a "fonte de Elias". Começa com uma saudação pastoral e uma benção no Espírito, evitando entrar em pormenores que poderiam fazer perder a inspiração e o ímpeto. Toma as suas ideias-chave da Escritura, que cita e parafraseia abundantemente. Adopta, pois, um estilo de comunicação que está mais relacionado com a comunhão do que com a legislação, o qual dificulta a colocação da Regra no corpo monástico jurídico latino.

Todas estas características dão à Regra um sabor oriental e, do nosso ponto de vista, poderiam explicar as dificuldades que fizeram cair em erro os primeiros carmelitas emigrados à Europa e que deram lugar a diversas emendas. A Regra, ao sair do seu contexto, ía experimentar uma progressiva latinização: um pouco no texto mas muito na interpretação. Mas, nem por isso deixa de ser verdade que o seu género, mais bíblico que canónico, assim como o seu estilo de fórmula de vida mais que de Regula, a aproxima das regras monásticas do antigo Oriente cristão.

Portanto, o que inspira a Regra Primitiva é a vida do grupo já existente e bem consolidada dos eremitas, a exemplo das primeiras reuniões monásticas. Passando a ser uma fórmula de vida, reconhecida pela Igreja local, sob a jurisdição do seu Bispo, autentica a vida e a experiência evangélicas.

Na realidade, a Regra do Carmelo acaba por ser um comentário do Evangelho, a única verdadeira Regra do monaquismo oriental, que elege - como o farão os eremitas do Carmelo - o "deserto", no sentido bíblico, como o seu lugar privilegiado. O El Wadi’ Ain Es-Siyah é um bom exemplo que a tradição consagra desde muito antes da Regra como lugar monástico e como lugar eliano. O prior que a solicita em nome de seus irmãos lembra a figura do abade no monaquismo oriental, semelhança que comentaremos com mais pormenor.

Na nossa Regra esboçam-se também as grandes linhas da organização do espaço e do tempo dos eremitas. A estrutura dos lugares é a da laura, conhecida no monaquismo siríaco: um grupo de celas ou de grutas, nas quais os eremitas vivem uns com os outros, à volta do prior para formar a comunidade, assim como da Eucaristia, para encarnar a Igreja de Deus. Imprime o ritmo do dia, harmonizando-o entre a solidão na oração ou na meditação e o trabalho com a vida em comunidade, litúrgica e fraterna, segundo o modo cenobítico, inaugurada no Oriente cristão. Consagra o mosteiro como uma casa do Senhor, "um castelo interior", aberto também aos fiéis, seguindo a mais pura tradição oriental. Recomenda observâncias que são essencialmente evangélicas. Distingue-se ainda mais pelo seu conteúdo, propondo um conceito da vida consagrada e de suas práticas muito próximas do meio oriental onde nasceu. Prepara assim a comunidade de eremitas para realizar o ideal monástico oriental tal como se expressa na Unitatis Redintegratio: "No Oriente também se encontram as riquezas destas tradições espirituais, que se manifestam sobretudo pelo monaquismo. Aí, desde o tempo glorioso dos santos Padres, floresceu, efectivamente, a espiritualidade monástica, que logo se estendeu no Ocidente, convertendo-se no que se pode chamar a fonte da organização da vida segundo a Regra dos latinos e conferindo-lhes assim um novo vigor".(5)

Monaquismo oriental e Regra do Carmelo

1. A Regra refere-se à tradição monástica primeira

No prólogo, já o mencionámos, inscreve-se, de imediato, a Regra na esteira da grande tradição monástica, nascida no Oriente, mediante a sua referência explícita e directa aos "Santos Padres" que, com o seu exemplo e seus ensinamentos, definem a "vida consagrada", quaisquer que sejam as suas formas, como o "viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-l’O fielmente com coração puro e recta consciência (ver Tim 1,5)" (Regra, nº2). Alberto incorpora a comunidade de eremitas na árvore da grande tradição secular da Igreja. Organiza o tempo e a vida deles no sentido tradicional. O Monte Carmelo, como lugar, favorece este arraigamento, que se manifesta mediante a eleição de uma laura para viver, e que se concretiza mediante a recitação das horas segundo as "normas estabelecidas pelos Padres e o costume aprovado pela Igreja". Então conclui-se que a Regra - é necessário repeti-lo - não está concebida como um regulamento mas sim como o fruto de uma experiência transmitida na Igreja. Nesta visão oriental, a Regra não é tanto um texto legislativo mas melhor - parafraseando os Padres do deserto - uma escada dirigida ao Reino dos Céus. Portanto, apresenta-se como um caminho numa tradição que é em si " a norma, a fonte e a guia da vida monástica".(6)

Daqui também se pode deduzir que há um só monaquismo, uma única índole de vida consagrada, cujo fundador e único modelo é Cristo. Um monaquismo que é um ponto de referência para todos os baptizados. A concordância com o Oriente é, de novo, completa, já que confessa que Cristo é a origem dos dois carismas na Igreja e das observâncias na vida consagrada, ou seja a hierarquia e o monaquismo. Também há uma grande semelhança com o aspecto laico original do Carmelo que valoriza, como o Oriente, a consagração baptismal: "No Oriente, o monaquismo conservou uma grande unidade, sem experimentar, como no Ocidente, a formação de diversos tipos de vida apostólica. As diferentes expressões da vida monástica, desde o cenobitismo estricto, tal como o concebiam Pacómio ou Basílio, até à vida eremítica mais rigorosa de um Antão ou de um Macário o Egípcio, correspondem mais a diferentes etapas do caminho espiritual que à eleição entre diferentes estados de vida. Seja como fôr, todos se referem ao monaquismo em si, qualquer que seja a forma sob a qual se manifeste. Além do mais, o monaquismo não se considerou no Oriente unicamente como uma condição à parte, característica de uma categoria de cristãos, mas sim mais particularmente como um ponto de referência para todos os baptizados, segundo os dons que o Senhor oferece a cada um, apresentando-se como uma síntese emblemática do cristianismo". (O.L. nº9)

2. Cristo como fundador da Regra do Carmelo

Muitas vezes se colocou em destaque e se aprofundou o cristocentrismo da Regra. O carmelita compromete a sua vida "in obsequio Jesu Christi", a quem amará e venerará em seu prior e em seus irmãos, a quem imitará na sua vida de oração, de trabalho e na sua consagração, e na qual meditará dia e noite a Palavra e os mistérios.

O monge oriental tem por modelo a Cristo que o chama a segui-l’O (ver Mc 10, 17-21; 8,34 etc.). Como Maria de Betânia, senta-se a seus pés e escolhe a melhor parte (Mc 10, 17-21; Lc 10, 39-42), a fim de crescer na união mística com ele (Jo 17,21). Só Cristo é fundador, chefe e pai espiritual. Assim pois, o Oriente não tem necessidade de escolas de espiritualidade, no sentido ocidental. As suas Normas monásticas são comentário do Evangelho, tal como é a nossa Vitae formula, que não se pode associar a nenhuma das Normas reconhecidas e consagradas no seu tempo.

Como o monge oriental, convida-se pois o carmelita a fixar o seu olhar em Cristo e a discernir tudo através do olhar de Cristo: "E vós, demais irmãos, honrai humildemente o vosso Prior, pensando, mais que na sua pessoa, em Cristo, que o colocou acima de vós como superior. (ver Sl 65, 12)" (Regra, nº23).

3. A identificação com Cristo através da obediência

Na Regra insiste-se várias vezes na obediência. Afirma-se sem dúvida: "Estabelecemos, em primeiro lugar, que tenhais um de vós como Prior… A ele prometerão obediência todos os demais e preocupar-se-ão em manter a promessa na prática (ver 1 Jo 3,18), juntamente com a castidade e a renúncia à propriedade." (Regra, nº4).

Termina com esta conclusão: "E vós, demais irmãos, honrai humildemente o vosso Prior, pensando mais que na sua pessoa, em Cristo, que o colocou acima de vós" (cf. Sl 65,12) e que disse aos chefes das Igrejas: "Quem vos ouve a mim ouve, quem vos despreza a mim despreza" (Lc 10,16). Não sejais condenados por desprezo, mas merecei, pela obediência, o prémio da vida eterna." (Regra, nº23).

De facto, na Regra recorda-se, com a tradição monástica primeira, que a obediência "faz o monge", identificando o eremita com "Cristo que obedeceu até à morte e morte de cruz". Fundamento da vida consagrada, abarca os demais votos (ver Regra, nos11 e 12) que se incluem mais tarde no nosso documento. A obediência é na "formula de conversão dos eremitas do Monte Carmelo a dinâmica de toda a sua vida: a determinação do lugar do mosteiro, e a indicação da cela, a gestão dos bens e a sua utilização, a correcção dos irmãos e a "observância da Ordem", a vida espiritual e o zelo pelas almas, tudo passa pela obediência, um voto, mas sobretudo uma virtude teologal. Através da obediência, "cumprida na verdade mediante as obras", os irmãos merecerão "a vida eterna": realizam o objectivo da sua consagração, a salvação das suas almas e das dos demais através da sua identificação com Cristo. Portanto, como nos Apoptegmas dos Padres do Deserto, a obediência é a base da vida carmelitana original. Vive-se como uma benção através de todos os actos do dia. A obediência na Regra incorpora-se na fé, na esperança e na caridade, como se pode observar no papel atribuido ao prior.

4. O prior ou alter Christus

O eremita obedece ao Pai através de Cristo e no Espírito. Obedece a Cristo mediante o Prior. A Regra insiste muito nele. Apresenta o prior simultaneamente como um chefe, um administrador, um irmão (primus inter pares) e como um pai espiritual porque o próprio Jesus lhe atribuiu a sua missão. Melhor ainda, porque a sua missão é a do próprio Jesus.

De facto, os irmãos carmelitas, como os antigos anacoretas da Tebaida, parece terem-se reunido progressivamente à volta do seu pai espiritual, ao qual se dirige, ao que parece, a Fórmula de vida: "B. e os demais irmãos eremitas" a quem o Patriarca exorta à humildade. Assim pois, o pai espiritual teria passado a ser o prior. No início, como na tradição oriental, não teria um papel determinado nem limitado. Pode-se considerar que o prior da Regra se assemelha muito ao abade oriental: verdadeiro pai espiritual da "família de Jesus", ícone de Jesus e vínculo entre os irmãos e os demais mosteiros, é o pneumatikos, chamado a experimentar ele mesmo, primeiramente a vida monástica para acompanhar os outros. Ele faz o mosteiro e não o contrário, em relação com o único fundador Jesus.

O.L. esclarece esta tradição quando o Santo Padre afirma: "Em geral, o caminho do monge não está unicamente assinalado por um esforço pessoal, mas refere-se a um pai espiritual, ao qual se abandona com uma confiança filial com a certeza de que nele se manifesta a terna e exigente paternidade de Deus. Esta figura dá ao monaquismo oriental uma extraordinária flexibilidade: pela obra do pai espiritual, o caminho de cada monge é efectivamente personalizado no tempo, nos ritmos, nas maneiras de buscar a Deus. Precisamente, pelo facto de que o pai espiritual é o ponto de união e de harmonização, isso permite ao monaquismo a maior variedade de expressões, cenobíticas e eremíticas. O monaquismo no Oriente pode ser assim, uma realização das espectativas de cada Igreja, durante os diversos períodos da sua história (O.L., 31).

Assim, pois, o Santo Padre tirou a lição para os católicos romanos dizendo: "Nesta busca, o Oriente ensina-nos de maneira particular que há irmãos e irmãs aos quais o Espírito concedeu o dom da direcção espiritual: estes constituem valiosos pontos de referência, já que eles vêem com o mesmo olhar de amor que Deus tem por nós. Não se trata de renunciar à própria liberdade, para se deixar dirigir por outros; trata-se de aproveitar o conhecimento do coração, que é um verdadeiro carisma, a fim de ser ajudado, com doçura e firmeza, a encontrar o caminho da verdade" (OL, 13).

Resumindo, o prior da Regra está convidado, como o abade oriental, a viver a fraternidade de Cristo e a exercer a paternidade do Pai, discernindo no Espírito o dom e a vontade de Deus. Daí a importância da oração e da escuta.

5. A oração do eremita como oração da Igreja

O chamamento evangélico à oração contínua, retransmitido por S. Paulo e, por suposto, pelos Padres do Deserto, tem um bom eco na essência da Regra: "Permaneça cada um na sua cela, ou perto dela, meditando dia e noite na lei do Senhor (ver Sl 1,2; Jos 1,8) e vigiando em oração (ver 1 Pe 4,7), a não ser que se deva dedicar a outros justificados afazeres" (Regra, nº10). Cassiano escreve: "Toda a finalidade do monge e a perfeição do coração consistem numa perseverança ininterrupta na oração. Tanto mais quanto está inclinado à fragilidade humana, é um esforço até à serena tranquilidade da alma e uma pureza perpétua"(7). A oração contínua está associada à escuta da Palavra de Deus e à sua meditação. É bom notar, meditar, na linguagem monástica antiga, é escutar, conservar no coração, no sentido bíblico, assimilar, memorizar e interiorizar. A Palavra em si converte-se no contemplativo em oração, inclusivé numa visão.

No entanto, a Palavra de Deus, a sua Lei, no Novo Testamento, é o próprio Cristo. Desde então, meditar a Lei do Senhor é estabelecer um diálogo de amizade íntima com o Senhor, A oração teresiana prepara, prolonga e nutre-se dos tempos fortes comunitários da oração: a Eucaristia e a Liturgia das Horas: "O oratório, conforme fôr mais fácil, construa-se no meio das celas e aí vos devereis reunir todos os dias pela manhã para participar na celebração eucarística, quando as circunstâncias o permitam" (Regra nº14).

Aqui também são profundas e numerosas as semelhanças orientais. A vigília ocupa um grande lugar no Oriente, tanto no sentido de vigilância (nepsis) como no sentido de oração nocturna, ou seja, como guarda do coração e do espírito que se abre ao Espírito e se converte em pneumatóforo. Substituir as horas canónicas com o Pai Nosso (Regra, nº11) é uma tradição monástica oriental. No que diz respeito a velar na oração contínua, o Oriente expressa aí a impaciente espera da alma que busca a Deus: "O monaquismo revela de maneira particular que a vida está suspensa entre dois pontos: A Palavra de Deus e a Eucaristia. Isso significa que é sempre, inclusivé sob as suas formas eremíticas, por sua vez uma resposta pessoal a um chamamento individual e um acontecimento eclesial e comunitário.

O ponto de partida do monge é a Palavra de Deus que chama, convida, interpela pessoalmente, como o foi para os Apóstolos. Quando uma pessoa é tocada por esta Palavra, nasce então a obediência, ou seja, a escuta que muda a vida. Cada dia, o monge alimenta-se do pão da Palavra. Privado desse pão, está como morto, já nada tem para comunicar a seus irmãos, já que a Palavra é Cristo e com Ele é que há-de conformar-se o monge.

O monge continua a assimilar a Palavra, também quando canta com os seus irmãos a oração que santifica o tempo. A riquíssima himnografia litúrgica, da qual todas as Igrejas do Oriente cristão estão, com razão, orgulhosas, é só a continuação da Palavra lida, entendida, assimilada e, por último, cantada: a maior parte destes hinos são paráfrases sublimes do texto bíblico, interpretadas e personalizadas pela experiência dos indivíduos e da comunidade.

Diante do abismo da divina misericórdia, o monge pode unicamente proclamar a consciência da sua extrema pobreza, que passa a ser em seguida uma invocação e um grito de alegria para uma salvação ainda mais generosa, já que é inesperada no abismo da sua própria miséria. Eis aqui porquê a invocação do perdão e a glorificação de Deus compõem grande parte da oração litúrgica. O cristão é surpreendido neste espantoso paradoxo, o último de uma série sem fim, engrandecido com reconhecimento na linguagem da liturgia: o Imenso faz-se limite, uma virgem dá à luz; através da morte, Ele, que é vida, vence para sempre a morte; no alto dos céus, um corpo humano está sentado à direita do Pai, No cume desta experiência orante, encontra-se a Eucaristia, o outro cume indissoluvelmente vinculado à Palavra, como lugar no qual a Palavra se faz Corpo e Sangue, de celeste experiência em que esta volta a ser acontecimento.

Na Eucaristia revela-se a natureza profunda da Igreja, comunidade dos que foram invocados à sinaxis para celebrar o dom daquele que, por sua vez, se oferece e oferece: participando nos Santos Mistérios, se convertem em "consanguíneos" de Cristo, antecipando a experiência da divinação no vínculo, desde agora, inseparável que une em Cristo divindade e humanidade.

Mas a Eucaristia é também o que antecipa a pertença dos homens e das coisas à Jerusalém celeste. Revela assim plenamente a sua índole escatológica: como sinal vivo de tal espera, o monge prossegue e leva à sua plenitude na liturgia a invocação da Igreja, a Esposa que implora o regresso do Esposo num "maranatha" repetido sem cessar não só através das palavras, mas também através de toda a existência" (OL nº10).

O destaque da oração neste sentido transcende a oposição posterior latina entre a contemplação e a acção. Os eremitas do Monte Carmelo que, com regularidade reflectem acerca da salvação das almas, não colocam o problema em termos conflituais. A eles se aplica o que O.L. diz acerca dos monges orientais: "Na experiência litúrgica, Cristo Senhor é a luz que ilumina o caminho e revela a transparência do cosmos, do mesmo modo que na Escritura. Os acontecimentos do passado encontram em Cristo um significado e uma plenitude, e o criado aparece como o que é: um conjunto de sinais que só encontram a sua expressão mais completa, o seu pleno destino na liturgia. Eis aqui porquê a liturgia é o céu na terra; nela, o Verbo que se fez homem imprime na matéria um potencial de salvação que se manifesta plenamente, nos Sacramentos: aí, a criação comunica a cada um o poder que Cristo lhe confere. Assim pois, o Senhor, mergulhado no Jordão, transmite às águas um poder que lhes permite converter-se em banho de regeneração baptismal.

Neste contexto, a oração litúrgica no Oriente demonstra uma grande aptidão para comprometer a pessoa humana na sua totalidade: o mistério canta-se na sublimidade do seu conteúdo, mas também no calor dos sentimentos que suscita no coração da humanidade salva. Na acção sagrada, a corporeidade também é, por ua vez, chamada ao louvor, e à beleza, que é um dos termos privilegiados no Oriente para expressar a divina harmonia e o modelo da humanidade transfigurada, revela-se por doquier: nas formas do santuário, nos sons, nas cores, nas luzes, nos perfumes. O tempo prolongado das celebrações, a invocação repetida, tudo expressa uma identificação progressiva de toda a pessoa com o mistério celebrado. E a oração da Igreja converte-se assim já numa participação na liturgia celeste, antecipação da beatitude final. Esta valorização integral da pessoa nos seus componentes racionais e emotivos, no "extasis" e na imanência é de grande actualidade e constitui uma admirável escola para compreender o significado das realidades criadas: estas não são nem um absoluto nem uma causa de pecado e iniquidade. Na liturgia, as coisas revelam a natureza própria do dom oferecido pelo Criador à humanidade: "E Deus viu que tudo quanto tinha feito era muito bom" (Gn 1,31). Se toda ela está marcada pelo drama do pecado, que torna pesada a matéria e lhe impede a transparência, esta é redimida na Encarnação e volta plenamente teofórica, ou seja, capaz de nos colocar em relação com o Pai: esta propriedade revela-se sobretudo nos Santos Mistérios, os Sacramentos da Igreja" (OL nº11).

6. A comunidade da Regra e a comunidade de Jerusalém

A primeira comunidade de Jerusalém é um dos primeiros modelos do monaquismo cenobítico oriental. Alguns historiadores e comentadores da Regra insistem na comunidade de Jerusalém como um arquétipo da do Monte Carmelo. O que não é inverossímil. Mas nem por isso deixam de alienar as suas razões mediante os vínculos que estabelecem com os Cruzados: os eremitas, decepcionados com a queda de Jerusalém, optaram provavelmente por reconstruír outra Jerusalém, imagem daquela do céu. Pelo contrário, seria mais verossímil e mais simples referir-se à tradição primitiva que é muito anterior aos Cruzados, que se inspira nos Actos dos Apóstolos (2, 42-47; 4, 32-35) ou, como na tradição alexandrina de Mt 19, 16-30. O desenvolvimento anterior sobre a oração é um argumento neste sentido. As demais recomendações da partilha de bens, da correcção fraterna, da eleição, do discernimento do bem da Ordem e das almas, outras tantas realizações concretas da comunhão que se torna a encontrar exactamente na tradição monástica oriental, inspirada na primeira comunidade apostólica jerusalimitana.

7. A dimensão teologal e escatológica da ascese na Regra e seu parentesco oriental

A ascese na Regra é, sem dúvida, teologal e escatológica. As observâncias que recomenda encontram o seu fundamento no evangelho, assim como a própria oração contínua, que é uma recomendação do Senhor. Esta oração, que se incorpora na dinâmica teologal e se insere na dialética vigilância/espera, influi na organização prática da vida pessoal e comunitária. Assim pois, o silêncio (Regra, nº21) e o jejum (Regra, nº16) são práticas evangélicas do Senhor Jesus (Mt 9,15). Diga-se o mesmo para a abstinência (Regra, nº17) e o serviço do amor fraterno (Jo 13,34; 15,12; Rom 13,8) e a primeira de João, para desapego do mundo, e para a vida sóbria, pobre e humilde (As Bem-aventuranças como Regra em Mt 5-7).

A panóplia ascética da Regra propõe-se como uma armadura de Deus que protege o homem do mundo, de si mesmo e do demónio: "Uma vez que a vida do homem na terra é um tempo de tentações (cf Job 7,1) e todos aqueles que querem levar uma vida em Cristo estão sujeitos à perseguição (cf. 2Tim 3,12) e, além disso, o vosso adversário o diabo, anda à vossa volta como um leão que ruge, procurando a quem devorar (cf. 1Pe 5,8), com toda a diligência procurai revestir-vos com a armadura de Deus, para poderdes resistir às insídias do inimigo (cf. Ef 6,11). Cingi os rins com o cíngulo da castidade (cf. Ef 6,14); fortificai o vosso peito com pensamentos santos, pois está escrito: "O pensamento santo te protegerá" (Pr 2,11 LXX). Revestivos da couraça da justiça, para poderdes amar o Senhor vosso Deus com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças (cf. Dt 6,5), e o próximo como a vós mesmos (cf. Mt 19,19: 22, 37.39).

Empunhai sempre o escudo da fé, com o qual podereis repelir todas as setas incandescentes do inimigo (cf. Ef 6,16); pois sem fé é impossível agradar a Deus (cf. Hb 11,6). Colocai na cabeça o elmo da salvação (cf. Ef 6,17), a fim de esperardes a salvação do único Salvador, que libertará o povo dos seus pecados (cf. Mt 1,21).

Por fim, a espada do Espírito que é a Palavra de Deus (cf. Ef 6,17), habite com toda a sua riqueza (cf. Col 3,10) na vossa boca e no vosso coração (cf. Rom 10,8); e tudo o que tiverdes de fazer, fazei-o na Palavra do Senhor Jesus (cf. Col 3,17; 1Cor10,31)" (Regra, nos 18 e 19).

Além desta panóplia bíblica, encontram-se aqui as tradicionais exortações monásticas. Antão o Grande dizia: "Uma vida pura e uma fé firme em Deus são poderosas couraças para combatê-los e vencê-los. Porque temem os jejuns dos solitários, as suas vigílias, as suas orações, a sua doçura, a tranquilidade do seu espírito, a sua pobreza voluntária, o seu desprezo pelas honras, a sua humildade, a sua caridade com os pobres, a sua misericórdia, o seu hábito de vencer a ira e, sobretudo, esse amor sincero e ardente por Jesus Cristo" (8)

Estamos verdadeiramente muito longe de algumas interpretações que, para fundamentar a origem latina e cruzada dos peregrinos, convertidos em eremitas, e para provar que a Regra primitiva pertence ao corpus monástico latino, usam como argumento a conversão da panóplia militar cruzada em panóplia ascética. A inspiração bíblica e a imitação do monaquismo oriental explicam melhor a dimensão ascética escatológica da Regra.

Nesta mesma ascese escatológica inscreve-se o trabalho, o silêncio, o jejum, a pobreza, a prática dos votos. A Regra reflecte a preocupação dos Padres do Deserto diante dos monges frágeis, entregues à tentação. É bem conhecido o seu amor pelo silêncio, especialmente o silêncio interior. Aparentemente, estariam subscritos à Regra quando esta afirma: "Deveis fazer algum trabalho, para que o diabo vos encontre constantemente ocupados (9) e assim não encontre nenhuma entrada nas vossas vidas. Nisto tendes o ensinamento do apóstolo S. Paulo, pela boca do qual falava Cristo (cf 2 Co 13,3), e que Deus constituiu e deu como pregador e mestre dos gentios na fé e na verdade (cf. 1Tim 2,7); seguindo-o não vos podereis enganar. Vivemos entre vós - diz ele - trabalhando dia e noite sem descanso, para não sermos pesados a nenhum de vós .Não que não tivéssemos direito, mas para vos darmos um exemplo a imitar. De facto, quando estávamos entre vós, repetiamos com insistência: quem não quiser trabalhar, não coma. Ouvimos dizer que alguns de vós levam uma vida irrequieta, sem nada fazer. A esses pedimos e ordenamos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que trabalhem em silêncio e ganhem o seu próprio pão (cf 2 Tim 3, 7-12). Este caminho é santo e bom: segui por ele (cf Is 30,21)" (Regra, nº20).

Quanto ao silêncio, é a coroa da vigilância na oração. De facto, " o apóstolo recomenda o silêncio, quando manda que se trabalhe em silêncio" (cf 2 Tim 3,12). Do mesmo modo afirma o profeta: " o silêncio fomenta a justiça" (cf Is 32,17); e ainda: " no silêncio e na esperança está a vossa força" (Is 30,15). Por isso, determinamos que, após a recitação das Completas, guardeis silêncio até depois da conclusão de Prima do dia seguinte. Embora nas demais horas não tenha de ser observado um silêncio tão rigoroso, guardai-vos com cuidado do muito falar. De facto, como está escrito e assim a experiência o ensina: "No muito falar não falta o pecado" (Pr 10,19) e : "Quem fala sem reflectir julgará mal" (Pr 13,3); do mesmo modo: "Quem fala muito prejudica-se" (Eclo 20,8). Diz ainda o Senhor no Evangelho: "De toda a palavra inútil que os homens profiram darão conta no dia do juízo" (Mt 12,36).

Portanto, cada um de vós pese as suas palavras e ponha freio na boca, para não escorregar e cair por causa da língua, e a sua queda não se torne incurável e mortal" (cfr. Eclo 28,29-30). Vigie sobre a sua conduta, para não pecar nas suas palavras, como diz o profeta (cf. Sl 38,2) e procura observar atenta e prudentemente o silêncio que fomenta a justiça (cf. Is 32,17) (Regra, nº21).

O combate espiritual da Regra, como nos Padres orientais, leva-se na obediência, num estado de pobreza e de profunda desapropriação de si: "Nenhum dos irmãos diga que algo é seu" (Regra, nº12).

O.L. sintetiza este encontro entre a Regra e o monaquismo oriental dizendo: "O olhar do monge volta-se para Cristo, o Homem-Deus: em seu rosto desfigurado de homem de dor, distingue já o anúncio profético do rosto transfigurado do Ressuscitado. Ao olhar contemplativo, Cristo revela-se como às mulheres de Jerusalém, que subiram para contemplar o espectáculo misterioso do Calvário. E assim, formado nesta escola, o olhar do monge habitua-se a contemplar a Cristo também nos momentos ocultos da criação e na história dos homens, que também está compreendida na sua conformação progressiva com o Cristo total.

O olhar progressivamente cristificado aprende assim a separar-se das aparências, do turbilhão dos sentidos, ou seja, de tudo o que impede ao homem chegar a uma ligeireza apta para deixar-se levar pelo Espírito. Percorrendo este caminho, deixa-se reconciliar com Cristo, durante um incessante processo de conversão, na consciência do seu próprio pecado e do seu afastamento do Senhor, que provoca a compunção do coração, símbolo do seu próprio baptismo na água salvadora das lágrimas; no silêncio e na paz interior procurada e dada, em que o coração aprende a palpitar em harmonia com o ritmo do Espírito, eliminando toda a duplicidade ou toda a ambiguidade. O facto de se tornar assim cada vez mais sóbrio e essencial, mais transparente a seus olhos, pode fazer cair no orgulho e na intransigência, se chega a acreditar que isso pode ser o fruto do seu esforço ascético. O discernimento espiritual, numa contínua purificação, torna-o então humilde e calmo, consciente de perceber unicamente alguns rasgos desta verdade que o sacia, porque ela é o dom do Esposo, que é só plenitude da felicidade.

Ao homem que busca o sentido da vida, o Oriente propõe esta escola para conhecer-se e ser livre, amado por esse Jesus que diz: "Vinde a Mim todos os que andais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei" (Mt 11,28). A quem busca a cura, diz-lhe que continue a busca: se a intenção é boa e a orientação honrada, o rosto do Pai se fará reconhecer finalmente, gravado como está no profundo do coração" ( OL nº12).

8. Da comunidade à comunhão

A Regra preocupa-se por construir a comunidade dos eremitas com o objectivo da comunhão nos seus dois sentidos: com Deus e com o próximo. A comunidade constrói a sua comunhão na vida in obsequio Jesu Christi, na eleição do prior, alimentando-se juntos nas duas mesas da eucaristia e da S. Escritura, assim como partilhando os seus bens, louvando a Deus no coro e também reunindo-se para corrigir-se, para falar acerca da observância da vida em comum, como se diz no nº15, e acerca da salvação das almas, como se acrescentou depois: "Aos domingos, ou noutros dias, quando necessário, reuni-vos para tratar da observância da vida comum e da salvação das almas. Nesta ocasião corrijam-se com caridade as faltas e as culpas que sejam encontradas em alguns dos irmãos". A comunidade realiza-se como Igreja e reproduz a imagem do Deus Trindade. Teológica e espiritualmente, estamos no coração da teologia oriental, inseparável da espiritualidade. A comunidade cenobítica, em torno do seu pai espiritual, constrói a sua comunhão com Deus e com a criação. "Precisamente, no desapego progressivo do que no mundo é obstáculo à comunhão com o seu Senhor, o monge reencontra o mundo como lugar no qual se reflecte a beleza do Criador e o amor do Redentor. Na sua oração, o monge pronuncia uma epiclesis do Espírito sobre o mundo e tem a certeza de ser escutado porque ela participa na mesma oração de Cristo. Assim pois, sente nascer nele um amor profundo pela humanidade, este amor que a oração no Oriente celebra tão frequentemente como atributo de Deus, o amigo dos homens que não vacilou ao oferecer o Seu Filho para salvar o mundo. Nesta atitude, o monge tem a capacidade de compreender este mundo já transfigurado pela acção deificadora de Cristo morto e ressuscitado. Qualquer que seja a modalidade que lhe reserva o Espírito, o monge é sempre essencialmente o homem da comunhão. Com este nome se designou também, desde a antiguidade, o estilo monástico da vida cenobítica. O monaquismo demonstra-nos que uma vocação só pode ser autêntica se nasce da Igreja e para a Igreja. Disto dá testemunho a experiência de tantos monges que, encerrados na sua cela, têm na sua oração uma extraordinária paixão, não só pela pessoa humana, mas também por cada criatura, numa invocação sem cessar para que tudo se converta à corrente salvadora do amor de Cristo. Este caminho de libertação interior na abertura ao outro faz do monge o homem da caridade. Na escola do apóstolo Paulo, que mostra a plenitude da lei na
caridade (cf Rom 13,10), a comunhão monástica oriental esteve sempre atenta para garantir a superioridade do amor sobre toda a lei.

Isto manifesta-se, antes de tudo, no serviço aos irmãos na vida monástica, e também à comunidade eclesial, sob formas que variam segundo as épocas e os lugares, e que vão desde as obras sociais às pregações itinerantes. As Igrejas do Oriente viveram este compromisso com uma grande generosidade, começando pela evangelização, que é o serviço mais elevado que o cristão pode oferecer a seu irmão, para prolongar-se através de numerosas outras formas de serviço espiritual e material. Pode-se inclusivé dizer que o monaquismo era na antiguidade - e também, várias vezes durante as épocas seguintes - o instrumento privilegiado da evangelização dos povos" (O.L., 14).

9. A Discretio da Regra, uma virtude bem oriental

A Regra termina com estas palavras: "Isto vos escrevemos brevemente para vos dar uma "fórmula de nova conversão", segundo a qual deveis viver. Se alguém fizer mais, o próprio Senhor, quando voltar, o recompensará. Fazei, porém, uso do discernimento, que é guia das virtudes(10)" (Regra, nº24).

Para compreender a discretio da Regra, há que regressar ao monaquismo primeiro. No seu vocabulário, discretio traduz duas palavras gregas: diacrisis ou discernimento e metron ou medida. Cassiano, ao que parece, foi o primeiro que utilizou a palavra discretio no sentido de medida que preserva de todo o excesso duvidoso o zelo pela perfeição. Muito provavelmente, Alberto encontrou em Cassiano a discretio como a "mãe guardiã e moderadora de todas as virtudes" (11).

Na realidade, quer se considere no sentido de discernimento ou no sentido de medida, Santo Antão o Grande, confirma a discretio no itinerário espiritual. Os Padres do Deserto a aconselham com regularidade. A Regra do Carmelo que nela se inspira participa profundamente no seu profetismo.

10. A Regra e as suas dimensões eliana e mariana, uma tradição oriental

Na Regra não se menciona a Virgem. Os historiadores falam da capela dedicada a Nossa Senhora, em torno da qual se reúnem e na qual se encontram para a eucaristia e para os louvores. Esta capela está situada muito perto da "fonte de Elias".

Pergunto-me: são suficientes estes dois elementos para fundar uma espiritualidade eliana e mariana tão complexa e rica como a do Carmelo, sem a aproximação do Oriente?

S. Eliane Poirot colocou bem em destaque a importância radical do profeta Elias para o monaquismo oriental primitivo (12).

Por outro lado, a teologia mariana do Oriente é, além do mais, a dos Padres, muitos dos quais eram eles próprios monges. Muito provavelmente, a Ordem deve ao Oriente cristão os seus vínculos privilegiados com as personagens bíblicas, entre eles Elias e Maria. Nas suas três grandes religiões e em todas as suas Igrejas, o Oriente continua a venerar S. Elias. Não se pode afirmar o mesmo do Ocidente. Seria interessante comparar a mariologia oriental e a mariologia do Carmelo, especialmente a dos grandes místicos da nossa Ordem com os Padres da Igreja do Oriente. A sua mariologia, de facto, não é devocional. É profundamente soteriológica e mística.

11. A Regra, o carisma e as estruturas: a lição do Oriente

O monaquismo oriental sempre procurou um máximo de carisma e um mínimo de estruturas. A Regra do Carmelo aplica à letra no que sobressaíram os nossos Santos Padres, Teresa e João. Como, por exemplo, no monaquismo sírio, a Regra une uma grande liberdade que vai a par com um mínimo de regulamentação. O Oriente não separa contemplação e acção. O seu espírito encarna na nossa Regra onde "a observância da Ordem e a salvação das almas" significam o zelo apostólico. Seguindo o exemplo dos antigos, seguindo o exemplo de Elias.

A Regra indica pois, ao eremita, o caminho que tem que seguir, não como um regulamento mas sim como o fruto da experiência dos antigos. Alberto não a redige simplesmente "ex propria scientia et experientia", ainda que não agrade ao muito sábio P. Cicconetti, mas da ciência e da experiência dos antigos, os eremitas conhecem e imitam através do seu cristocentrismo, mediante a sua obediência, através da guarda da cela, através do silêncio, da pobreza, do trabalho manual, da luta contra o maligno, da organização do dia, uma vida contemplativa altamente apostólica…Outros tantos elementos dispostos à maneira oriental, à maneira dos Padres do Deserto para quem a oração é a recordação contínua de Deus e a meditação da sua obra e de seus mandamentos.


12. Conclusão

Hoje, a Regra primitiva do Carmelo é portadora de uma dupla mensagem. Para o Oriente e para o Carmelo.

Às Igrejas do Oriente, especialmente aos católicos, recorda a riqueza do seu monaquismo que quase desapareceu como tal. De facto, o Motu Proprio "Postquam Apostolicis Litteris" de 9 de Fevereiro de 1952, já não reconhece como autênticas as formas monásticas no ORIENTE CATÓLICO. A nossa Regra volta a insuflar vida ao monaquismo como presença diante do Senhor e do mundo, como vigilância e espera, como comunhão.

No Carmelo de hoje, a Regra repete a exortação de Deus ao profeta Elias: "Parte daqui, e dirige-te para o oriente" (1 Reis 17,3). Ela convida o Carmelo a reencontrar o seu Oriente. Não só na espiritualidade, mas também num importante regresso e numa profunda inculturação.


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